Chutes, gols e eficiência ofensiva

Finalizações dos times do primeiro turno do Brasileirão 2023

xG
PSxG
Estatística
Brasileirão
Author

Volante Subversivo

Published

04/10/2023

O gol e a finalização: apresentação das métricas

Todos sabemos que, sem a finalização, muito dificilmente há gols no futebol. Por isso, poucas habilidades são tão valorizadas quanto o chute dos jogadores: sua qualidade pode ser a diferença definitiva entre a vitória e a derrota.

Além disso, a finalização talvez seja uma das habilidades mais diversas do futebol, com estilos distintos e marcas clássicas de nossos jogadores e times favoritos. Por exemplo, temos aqueles times que criam chances atrás de chances, com maior ou menor eficiência, enquanto outros, com duas ou três oportunidades, terminam com o jogo e não precisam de mais nada. Enquanto isso, alguns jogadores preferem finalizar mais de perto, outros de longe ou, ainda, sabem usar a cabeça como ninguém.

Neste sentido, o futebol, como já falamos, não é um jogo matemático preciso, no qual existe uma chave mágica para a vitória. Cada equipe vai, de uma maneira ou de outra, buscar otimizar suas chances de vitória por meio das qualidades de seu elenco. E, assim, as estatísticas nos permitem também saber quais times não aproveitam suas chances e onde eles são mais deficientes do que outros, da mesma forma que podemos saber onde tomar um cuidado especial.

Algumas deficiências e qualidades, inclusive, são parte histórica até da identidade de clubes: por exemplo, quantos corintianos já não sofreram com a falta de posse de seu time? O famoso lema do “saber sofrer”, cunhado por Fábio Carille, representa um pouco desta identidade. Da mesma forma, flamenguistas, que cobram imensa superioridade ofensiva de seu clube, certamente já se acostumaram a sofrer com uma defesa mais vazada.

Por isso, pretendo, neste breve texto, apresentar algumas das características ofensivas das equipes do Brasileirão de 2023 durante o primeiro turno. Alguns resultados são bastante interessantes e ilustram justamente a qualidade e deficiências das equipes.

Para realizar esta análise, utilizaremos as seguintes métricas (todas elas foram retiradas do site FBREF) para definir o perfil e qualidade das chances criadas pelos jogadores do campeonato brasileiro:

  • Finalizações: Inclui chutes bloqueados, para fora, defendidos e gols, sendo a estatística mais comumente utilizada para se analisar o ímpeto ofensivo de uma equipe.

  • SCA: Shot Creating Actions, estas são ações ofensivas que levam a um chute de sua equipe, podendo incluir não apenas passes, mas também dribles, outros chutes e ações defensivas, como pressão e interceptação. A partir desta, podemos definir o estilo ofensivo de uma equipe. Também é importante notar que o FBREF contabiliza até duas SCAs por finalização, as quais podem vir tanto de companheiros quanto do próprio finalizador.

  • xG: Expected Goals, esta é talvez uma das estatísticas mais famosas, que calcula a média de gols marcados na mesma situação na qual o jogador chutou a bola. Já falamos sobre ela anteriormente.

  • PSxG: Post Shot Expected Goals, o quanto se espera que um chute seja gol, dependendo muito mais da sua execução do que da média entre os jogadores anteriores.

A partir destes dados, poderemos analisar quais times e jogadores se destacam positiva e negativamente, tanto ao receber e criar oportunidades quanto ao concluir estas, assim como seus estilos ofensivos. Para este texto, nos focaremos apenas nas equipes.


Se quiser entender melhor o que são os xGs e como eles podem ser analisados, confira o nosso post sobre este tema:


Entre a sorte e o mérito: posição dos times

Primeiramente, como já sabemos, o futebol também é um jogo de sorte. Diferentemente de outros esportes, nos quais os times mais fortes ganham a maior parte de suas partidas, este número é bastante menor em nosso esporte [1].

Isto se dá por muitos fatores, mas um deles, certamente, é a qualidade (ou sorte) de finalização e a garantia da famosa “retranca” após o gol (ou, ainda, “ferrolho”, ou, em termos britânicos, “estacionar o ônibus”).

Por isso, é comum termos casos nos quais os times ganham o jogo obtendo um xG menor no jogo: uma boa parte deles vem diretamente desta dinâmica, e, não necessariamente, significam tamanho problema para a equipe vencedora — afinal, como mostramos no post citado acima, xGs pequenos acumulados não ameaçam tanto.

Mas é inegável que um jogo bem jogado, com várias chances criadas e clara demonstração de superioridade enchem os olhos de qualquer espectador. Esta atitude, por outro lado, não necessariamente traz a vitória, o que nós, brasileiros, infelizmente, sabemos bem.

De toda forma, o primeiro turno do Brasileirão terminou com a seguinte classificação:

Tabela do primeiro turno do Brasileirão 2023. Créditos: Globoesporte (tabela) e Cássio Zirpoli (print)

Uma primeira pergunta que podemos fazer é: quais são os times que mais chutam e quais são os que mais marcaram gols nesta primeira fase do Brasileirão? Há uma correlação que nos prova que vale a pena chutar mais, em especial quando olhamos para a tabela? Chutes e gols por time

Para responder a pergunta se vale a pena chutar mais ao gol, realizamos uma regressão linear simples do número de chutes e gols das equipes no Brasileirão. A relação entre estas variáveis está presente no gráfico a seguir, que apresenta os gols e chutes das equipes no primeiro turno (pontos), assim como a sua tendência e médias (linhas):

Fonte: FBREF

Como podemos ver no gráfico acima, há uma clara relação entre o número de chutes e a quantidade de gols marcados pelas equipes: aqueles que mais chutam tendem a marcar mais gols. Além disso, nossos times se distribuem majoritariamente entre três quadrados: o inferior esquerdo (chuta menos e marca menos do que a média), inferior direito (chuta mais e marca menos do que média) e superior direito (chuta e marca mais do que a média).

De acordo com nosso modelo de regressão, bastante básico, espera-se que, a cada chute, adicione-se 0.08 gols para nossa equipe. Isto representa uma média bastante pequena de gols por chute, sendo que, para cada gol, precisaríamos de mais de 12 chutes! Nossos dados, então, parecem indicar que chutar mais é melhor, mas definitivamente vale mais a pena chutar bem do que chutar na média: basta ver que os times na parte de cima da tabela do primeiro turno estão acima de nossa linha de regressão.

É interessante notar, portanto, os casos excepcionais, que se afastam bastante do padrão, como é o caso do Botafogo. Esta equipe chutou um número próximo à média do campeonato, contudo, ainda assim, possuiu o melhor ataque do primeiro turno. Isto indica uma eficiência absurda nas finalizações por parte desta equipe.

Já o Bragantino, em outro extremo, chutava muito mais que as outras equipes, mas não marcava gols no mesmo nível, estando abaixo de nossa linha. Isto pode se dar tanto por criar chances piores, por incapacidade da equipe ou, ainda, por puro azar mesmo, como analisaremos mais à frente.

De destaque negativos, possuímos as equipes do Vasco, Santos, Corinthians, Coritiba e Internacional, com pouquíssimas finalizações e gols. O Santos, em especial, último neste quesito e conhecido por sua cultura ofensiva, chutou apenas 74.62% da média do campeonato. Suas finalizações, contudo, são melhores que boa parte dos times do Brasileirão, o que parece ter sido sua salvação no primeiro turno.

Por outro lado, se tivemos equipes que marcaram mais com menos, também temos as que seguem o caminho contrário: América MG, Cruzeiro e Fortaleza chutaram mais do que a média, mas ainda assim marcaram menos do que esta, posicionando-se no quadrado inferior direito.

Para se ter uma ideia da diferença entre os times, a equipe que menos precisou de chutes para marcar foi o Botafogo, com 7.68, enquanto a equipe com mais chutes por gol foi a do Vasco, com 16.86 chutes por gol. Ou seja, o Vasco precisava de mais do que o dobro dos chutes do Botafogo para marcar o mesmo tanto de gols.

Estes números, entretanto, como você já deve imaginar, não dizem tanto assim sobre a qualidade destas equipes. Afinal, em que medida estes chutes vem de chances boas criadas por estas equipes ou de puro desespero no jogo? Podemos responder isto a partir dos xGs destas equipes.

xG e PSxG das equipes

Para responder isto mais claramente, precisamos olhar para o xG e o PSxG. Comecemos, mais precisamente, analisando a diferença entre o número de gols reais e o de gols esperados (xG):

FONTE: FBREF

Aqui, nosso gráfico representa a mesma estatística já falada anteriormente: a equipe que mais chuta para fazer gol tem a maior diferença negativa, enquanto a que menos precisa de chutes tem a maior diferença positiva.

No caso do Vasco, o caso é desesperador: esperava-se que, em média, ele tivesse mais quase 0.53 gols por jogo, o que, em número inteiros, daria mais ou menos um gol a cada dois jogos — ou seja, no total, o Gigante da Colina deveria ter mais oito gols! O Botafogo, ao contrário, marca mais 0.31 gols por jogo do que o esperado, quase um gol a cada três jogos.

Outros destaques negativos são o Fortaleza e o Cruzeiro, assim como, de positivos, podemos citar o Flamengo e o Palmeiras. Quando analisamos estes dados, vemos uma correlação entre estes um saldo positivo e a posição na tabela destas equipes, como se a sorte fosse, de fato, em conjunto com outros fatores, um elemento determinante do sucesso de uma equipe.

Contudo, o xG possui um problema: ele não considera se a perda do gol foi incompetência do finalizador, azar deste ou mérito do goleiro. Ele apenas reflete o quanto, em média, este chute seria gol, não importando a qualidade da defesa do goleiro.

Por isso, para medir o quão “sortudo” um time foi, precisamos de outra métrica. Uma opção muito melhor, sem dúvidas, é o PSxG, a qual leva em conta a finalização do nosso jogador para definir o quanto esta bola deveria ser gol.

Fonte: FBREF

Neste gráfico, podemos ver que algumas posições se modificam: a diferença do Vasco, Cruzeiro e Bahia diminuem, assim como a do Fortaleza, São Paulo e Fluminense aumentam. Isto indica que os primeiros exemplos perdem suas chances muito mais por má qualidade na finalização, enquanto os outros perdem por azar ou competência do goleiro.

Além disso, a redução do Botafogo reforça a eficiência da equipe na finalização. Isto ficará ainda mais claro quando formos analisar a qualidade de finalização individual dos jogadores: Tiquinho Soares foi o melhor finalizador do primeiro turno do campeonato Brasileiro.

Para deixar nossa análise ainda mais clara, podemos comparar diretamente o xG e o PSxG, inclusive modelando-os para estabelecer uma relação linear e definirmos, de forma mais definitiva, quais equipes finalizaram melhor ou pior.

Fonte: FBREF

Neste gráfico, basicamente, podemos definir que as equipes posicionadas acima da linha de nossa regressão possuem uma finalização melhor, uma vez que sua expectativa de gol é maior do que o esperado antes do chute. Sendo assim, até mesmo equipes com poucos gols, como Santos, Cuiabá e Coritiba podem ser consideradas equipes com boas finalizações.

Da mesma forma, times que fizeram um bom turno, como Athletico e Grêmio, pecam nas finalizações, mesmo que seus números de gols não esteja abaixo do esperado. Além disso, podemos confirmar que as diferenças de gols de Fortaleza, Bragantino e São Paulo decorrem muito mais de azar do que ineficiência de seu ataque.

Por isso, se você fosse um apostador, poderia ter apostado que as equipes citadas positivamente aqui iriam melhorar — ou, pelo menos seguir no mesmo nível —, enquanto as citadas negativamente muito provavelmente continuariam sofrendo se não tivessem reforços e/ou mudanças técnicas.

Para finalizar, vamos ampliar nossa interpretação do ataque destes times ao analisar seu SCA, apresentado anteriormente, para entender melhor seus estilos de jogo e suas estratégias.

Tipos de ataques por equipe

Primeiramente, precisamos apontar uma questão destes dados: nem toda jogada, seja ela um passe, desarme ou drible, se dá com o objetivo de finalizar, então estes dados aqui apresentados não representam o quanto estes times driblam ou desarmam, mas sim o quanto usam este recurso para atacar o adversário com finalizações.

Por isso, podemos ter números um pouquinho diferentes do esperado por aqui. Outro ponto a ser notado é que a imensa maioria das ações que criam chances são passes (mais precisamente, eles são 72% destas). Sendo assim, propomos comparar as chances criadas em bolas paradas, dribles e desarmes com as chances por passe. Analisemos um por um:

1. Bolas paradas

Fonte: FBREF

Nesta primeira análise, sobre bolas paradas, podemos ver o destaque de times como o Cuiabá e o Goiás com estes tipos de gols, assim como, em uma prateleira abaixo, do Palmeiras e do Grêmio. Este recurso, portanto, pode ser bem importante para estas equipes de baixo, com maior dificuldade em criar com a bola rolando, e nos ajuda a entender a posição do Dourado no campeonato até aqui.

De destaque negativo, assusta a dupla do Clássico dos Milhões, que criaram menos de uma chance por jogo com as bolas paradas, e o Internacional, que criou apenas um pouco mais do que eles. A falta deste recurso ofensivo não compromete necessariamente as equipes, ainda mais se elas criam chances com a bola rolando, mas ele pode condenar as equipes a sofrerem ainda mais com defesas fechadas e retrancadas.

Por outro lado, com relação aos passes, se destacam os mesmos times da análise anterior, como Bragantino, Fortaleza, Palmeiras e Flamengo, com a presença inesperada do Coelho, que costumou chutar bastante no primeiro turno. Santos, Goiás, Coritiba, Cuiabá e Corinthians são os que menos criaram com passes, o que demanda que sejam mais efetivos nas suas chances para conseguir sobreviver no campeonato.

2. Dribles

Fonte: FBREF

Com relação ao drible como parte do arsenal ofensivo, podemos destacar o Bahia, o Cruzeiro e o São Paulo, que formaram uma trinca destacável em nosso gráfico. Tal condição, suspeito, deriva muito da sua aposta em contra-ataques, o que, graças ao espaço concedido pelo adversário, favorece o uso dos dribles para criar novas chances.

O mais surpreendente neste gráfico, porém, é a posição do Santos: o time conhecido por revelar os meninos da Vila e encantar o país com seu futebol arte, nesta temporada, até o primeiro turno, esteve entre os times que menos se utilizaram do drible para criar chances, junto com o Internacional, comandado a maior parte do tempo por Mano Menezes.

3. Desarmes

Fonte: FBREF

Como podemos ver no gráfico acima, que os times que mais criaram a partir de desarmes e pressão no campo do adversário foram o Palmeiras, com mais de 0.4 chances por jogo, seguido também por Fortaleza, Athletico e Goiás.

É importante notar que este número não representa a quantidade de pressão destas equipes sobre o adversário, mas sim em que medida estes desarmes são convertidos em chances. Em outras palavras, podemos usar esta métrica como uma medida da eficiência desta pressão para atacar. Neste sentido, times como o Corinthians, Athletico e Palmeiras, mesmo que não possuam tantos desarmes no terço adversário, são mais eficientes em usar estes desarmes como método de ataque.

Já outras equipes, como a dupla gaúcha e o Vasco, não costumaram criar chances a partir da pressão, o que pode significar que eles preferiam segurar a bola e circulá-la — assim como pode ser o caso do Flamengo, líder em desarmes no último terço no primeiro turno, mas abaixo neste gráfico.

Fica claro perceber, pois, os diversos estilos de ataques das equipes do Brasileirão: alguns abusam mais do drible, outras da bola parada, etc., e outras não se utilizam de muitos recursos. Para além das deficiências ofensivas, estes números representam os diversas características das equipes analisadas, as quais poderiam nos ajudar a interpretar suas estratégias e traçar planos para sua melhora no ataque.

Referências

[1] ANDERSON, Chris; SALLY, David. The Numbers Game. Why Everything you Know About Football is Wrong. Penguin Books.